sexta-feira, 23 de julho de 2010

ENTREVISTA A S.A.R., DOM DUARTE DE BRAGANÇA POR TERESA CASTRO D'AIRE
Senhor Dom Duarte, diga-me por favor o seu nome completo, de quem é filho, onde nas­ceu, e quando?
Chamo-me Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança. Nasci em Berna, na Suíça, nas instalações da Legação Portuguesa, no dia 15 de Maio de 1945. O meu pai chamava-se Duarte Nuno Fernando Maria Miguel Gabriel Rafael Fran­cisco Xavier Raimundo Antônio de Bragança, e a minha mãe chamava-se Maria Francisca de Orleães e Bragança. Para além de vários outros títulos, sou também o actual Duque de Bragança e o represen­tante da Casa Real Portuguesa.
Senhor Dom Duarte, quem foi o primeiro Duque de Bragança?
O primeiro Duque de Bragança foi Dom Afonso, oitavo Conde de Barcelos, filho do Rei Dom João I e de uma senhora de nome Inês Pires Es-teves. Dom João I casou-o com Dona Beatriz Perei­ra Alvim, filha do Condestável Dom Nuno Álvares Pereira, e fê-lo primeiro Duque de Bragança. Foi essa mesma linha sucessória que subiu ao trono em 1640, com Dom João IV.
O Senhor Dom Duarte é simultaneamente descendente de Dom Pedro IV e de Dom Miguel. Para qual dos dois vai a sua simpatia pessoal?
Descendo, com efeito, quer de Dom Pedro IV quer de Dom Miguel I. A minha mãe era uma princesa brasileira, descendente de Dom Pedro I Imperador do Brasil (IV de Portugal), e o meu pai era neto do Rei Dom Miguel I de Portugal. Admiro a coragem com que ambos os monarcas enfrentaram momentos particularmente difíceis, tanto da vida da Nação como da cena internacional. O pri­meiro encarnou a legitimidade revolucionária e o segundo a legitimidade tradicional.
Senhor Dom Duarte, que estudos é que fez, e quais são as suas principais actividades?
Os meus estudos estiveram ligados a uma vocação que senti desde muito novo, para o estudo da agricultura. Penso que é um sector muito im­portante, porque uma nação mal alimentada está automaticamente condenada ao fracasso em todas as áreas. Foi este interesse pela agricultura, um inte­resse por um lado científico e por outro lado social, que me levou a freqüentar vários cursos, entre os quais o curso do Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa, o curso do Instituto para o Desenvolvimento, na Universidade de Genève, e vários outros dentro das mesmas áreas. Foram experiências muito enriquecedoras para mim.
O Senhor Dom Duarte trabalha, como toda a gente. É assim?
Não sei o que significa «trabalhar como toda a gente». Trabalho com empenhamento nas causas que abraço e, ao contrário de muita gente, sou gestor do meu próprio tempo. Tenho, como sabe, para além das minhas iniciativas de caracter político, centradas na defesa dos valores perma­nentes de Portugal, actividades culturais várias. Presido em Portugal à Fundação Dom Manuel II, e nos Estados Unidos à Portuguese Heritage Foundation, que dá apoio aos nossos emigrantes. Presido a inúmeras Associações Portuguesas de índole cultural, para além das minhas actividades sociais, nomeadamente em defesa dos direitos humanos.
Senhor Dom Duarte, quais são as suas principais áreas de interesse cultural?
Interessa-me muito a defesa e a valorização do patrimônio cultural nas suas várias vertentes, in­cluindo a ambiental, e o pensamento português não só na área estritamente cultural como também na social, que também faz parte do nosso patri­mónio.
E os seus hobbies?
É-me difícil responder. Bem… a leitura é tal­vez o meu hobby preferido.
O Senhor Dom Duarte serviu Portugal na qualidade de oficial do Exército Português duran­te a Guerra Colonial. Os Portugueses sabem que o Senhor Dom Duarte é um pacifista por convicção, que acredita em soluções diplomáticas de prefe­ rência às soluções bélicas. Como é que se sentiu enquanto militar?
É verdade, fui piloto aviador, ainda hoje sou capitão na reserva. Mas respondendo à sua pergun­ta, eu não sou pacifista nem belicista. Sou pacífico e acredito que a paz é de tal maneira importante para todos os povos que, para a manter ou para a conquistar, é necessário fazer uso de todos os meios legítimos ao nosso alcance, diplomáticos e outros. Reconheço que em determinadas situações, quando se esgotam as vias pacíficas para a resolução dos conflitos, pode ser necessário usar da força, mas isto apenas como último recurso. Como militar acom­panharam-me dois sentimentos: por um lado sentia o dever de bem cumprir as minhas obrigações para com a Pátria, e por outro lado sentia-me frustrado, diria mesmo desanimado, com a política que, em meu entender, não satisfazia nem os interesses das populações locais nem os de Portugal como um todo.
Sendo quem é, como é que se sentiu como militar ao serviço de uma República?
Eu e os meus companheiros de armas não nos sentíamos minimamente ao serviço da Repúbli­ca, mas sim ao serviço de Portugal. Os interesses de Portugal são sobejamente mais importantes do que os da República. Penso que todos os que se bateram em África, arriscando a vida, e perdendo-a muitos deles, não o fizeram senão a pensar na Pátria.
O Senhor Dom Duarte considera-se um conservador austero, por exemplo em relação a questões ligadas à moral tradicional, ou a sua ten­dência natural é mais para o humanismo e para a tolerância?
Sou efectivamente humanista, e defendo a tolerância. Acredito, por outro lado, que não se deve fazer tábua rasa dos ensinamentos do passado, onde encontramos altos exemplos de humanismo e de tolerância, e que devemos aproveitar esses ensi­namentos que nos são trazidos pela tradição que, como sabe, significa transmissão. Não estou muito de acordo com a maneira como formulou a per­gunta. Embora eu não seja um conservador, porque entendo que tudo aquilo que não se prende com os valores fundamentais é mutável, de preferência, como já disse, tendo presentes os ensinamentos da experiência passada, mas verifico que há conserva­dores que são humanistas e praticam a tolerância, e há não conservadores que pelas suas idéias revolu­cionárias ou por um progressivo abandono de valo­res essenciais não são humanistas e praticam a intolerância.
Se o Senhor Dom Duarte, por hipótese, fosse aclamado rei por vontade popular, aceitaria o trono?
Tenho repetidas vezes afirmado a minha dis­posição para servir Portugal, o que aliás tenho feito ao longo de toda a minha vida, e de continuar a servir Portugal se necessário como Rei. Mas também tenho sempre insistido noutro ponto: é que só aceitarei a chefia do Estado se ela resultar da vonta­de popular livremente expressa. Como sabe, de acordo com a tradição e as leis da Monarquia Portuguesa, um Príncipe só passa a ser Rei depois de aclamado pelas Cortes, isto é, o Parlamento, ou seja, pelos representantes do povo português.
Senhor Dom Duarte, há quem diga que a aristocracia morreu com Luís XVI no cadafalso. Acha que é verdade?
Bom… há muitas vezes uma confusão entre aristocracia e nobreza. A primeira, como sabe, é etimologicamente o governo dos melhores. Mas o tempo e os homens estabeleceram a confusão. No tempo de Luís XVI não se vivia em aristocracia mas em Monarquia. Era uma Monarquia típica do sécu­lo XVIII, em que a nobreza tinha um papel mais importante no campo social do que no campo polí­tico. É certo que a intolerância e o fanatismo dos revolucionários franceses de 1789 e dos anos seguintes levou ao cadafalso não só o rei Luís XVI como também muitos nobres, membros do Clero e mesmo do Povo que, ou se tinham oposto à Revo­lução, ou simplesmente a ela não tinham aderido como «adesivos». Lembro-lhe, a propósito, que em 1989, em res­posta aos vários inquéritos que em Franca se fizeram, por ocasião do bicentenário da Revolução, a maior parte dos inquiridos considerou Luís XVI, e os muitos que com ele morreram na guilhotina, inocentes dos crimes que a demagogia revolucionária lhes atribuiu. O nobre é aquele que foi reconhecido como notável pela Coroa, ou seja, numa Monarquia, o pró­prio Estado, isto em razão dos serviços prestados ao país. Nobre é também aquele que dele descende. Mas independentemente do reconhecimento por parte do Estado com a atribuição de um título, a verdadeira nobreza reside na atitude moral de serviço à comuni­dade. Por esta razão, penso que a nobreza não morreu com Luís XVI.
O Senhor Dom Duarte acredita que Portugal teria vantagens em regressar a uma monarquia?
Sem dúvida. Bem vê, só numa Monarquia é que a chefia do Estado é verdadeiramente independente. Como sabe, as primeiras chefias eram electi-vas. Os povos escolhiam entre si aquele que entendiam que melhor poderia governá-los e re­presentá-los. A este modelo político primitivo seguiu–se o da chefia hereditária. Concluíra-se que através da hereditariedade da chefia se evitavam divisões e disputas muito desgastantes que enfraqueciam o Poder e a comunidade política. Assim, os países mais antigos tiveram tempo para evoluir para a Monarquia, para uma chefia de Estado hereditária. A Monarquia, como instituição antiga (mas nunca velha!), foi-se adaptando aos tempos, realçando-se com os séculos a independência do rei face aos gru­pos, às facções e aos interesses particulares. Na Monarquia moderna o Rei reina mas não governa. O governo é exercido por aqueles que ganham as eleições. O Rei, como instituição independente, isto é, não resultante da disputa entre grupos, não resul­tante da vitória de uma parte da nação contra outras, mas aclamado por todas as partes, represen­tadas no Parlamento, está obviamente em melhores condições do que um presidente para arbitrar con­flitos, exercer a moderação e representar toda a nação. Mas sendo a Monarquia um modelo aperfei­çoado da chefia do Estado, ao qual se chegou depois de muita experiência, não está evidentemen­te ao alcance próximo dos novos Estados, que cons­tituem a maioria. A Monarquia é o trunfo das nações antigas. Os novos Estados não conseguem ter senão a República e todos nós sabemos que por muito íntegro que seja um presidente da República, nunca se livra da suspeita, o que é muito mau em termos institucionais, de favorecer o grupo político que o elegeu, ou as empresas que, por razões incon-fessadas, financiaram a sua campanha eleitoral. Também por esta razão, e por ser o representante do grupo vencedor, dificilmente é aceite o seu papel de árbitro. Portugal é um país antigo, com uma larga expe­riência das instituições políticas. Sucumbiu, em 1910, como algumas outras nações antigas, à tenta­ção de imitar modelos ultrapassados que vestiam roupagens novas, deixando por inércia que um partido republicano, que não representava mais de sete por cento do eleitorado nacional, se impusesse através de um golpe revolucionário. A actual Constituição da República impõe-lhe uma vexatória cláusula, a alínea b) do artigo 288°, que impede o povo soberano de mudar para a Monarquia, ainda que o queira. Mas penso que para bem do país, do nosso futuro colectivo, o povo português deverá ponderar tudo isso e fazer as opções que mais lhe convierem. A Monarquia, não sendo uma forma perfeita de chefia do Estado, nem, como vimos, uma receita universal, é, a meu ver, pelas razões expostas, a ins­tituição política mais aperfeiçoada e que melhor pode servir os interesses de Portugal.
Se assim acontecesse, quais seriam as prin­cipais directivas do seu reinado?
Como já expliquei, o Rei reina mas não governa. Assim sendo, na hipótese de vir a ser aclamado Rei pelos representantes do povo, procuraria usar de toda a minha influência para assegurar a defesa dos valores permanentes de Portugal.
Quais são, para si, os problemas mais ur­gentes a resolver em Portugal?
É difícil de responder. Em todo o caso, julgo que a agricultura é certamente um dos sectores mais carenciados e desorientados. Há que apoiá-la com urgência. Também a formação escolar e profissional e a orientação em termos de colocação no mercado de trabalho me parece de abordagem urgente.
Os media noticiaram que estaria para breve o nascimento do Herdeiro da Casa de Bragança, e os monárquicos portugueses rejubilam. O Senhor Dom Duarte pensa educar essa criança de forma a que um dia, se as circunstâncias o aconselharem, possa assumir a Coroa portuguesa?
Penso educar o meu filho para ser bom por­tuguês. Foi este, aliás, o melhor ensinamento que recebi dos meus pais. Procurarei familiarizá-lo com as realidades do país e prepará-lo para a defesa dos nossos valores permanentes.
Senhor Dom Duarte, o Senhor pensa que um nobre que não tenha meios de fortuna para fazer brilhar o seu título, deve prescindir dele?
Como já deixei dito, a verdadeira nobreza reside na atitude moral de serviço perante a comu­nidade e perante o país. Assim, aquele que descen­de de um notável, seja titular ou não, deve manter uma atitude de serviço que honre a dignidade que foi conferida aos seus avós. O brilho financeiro pouca importância tem afinal.
Existe algum Rei na nossa História que seja para si um modelo a seguir?
A época e as circunstâncias em que reinaram os Reis de Portugal eram muito diferentes das nos­sas. Penso, todavia, que todos deram exemplos de patriotismo e continuam a dar-nos um modelo de actuação: o de servir empenhadamente Portugal.
A Nobrega Portuguesa de Teresa Castro d’Aire, 1996

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