quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

PORQUE MATARAM EL-REI?

‘É El-Rei a única força que no País ainda vive e opera.’, registou o insuspeito Eça de Queiroz, nesses fins de século XIX, sobre Sua Majestade o Rei Dom Carlos I de Portugal.
De facto, Dom Carlos, senhor de uma enorme e reconhecida inteligência via a situação política nacional com uma enorme clareza: o rotativismo partidário do parlamentarismo liberal era um rotundo fracasso e jamais resolveria os problemas do País. Isto posto, urgia pôr fim a essa permanente alternância no poder, cobiça de lugares, e ao ‘ora governas tu, ora governo eu’, embocada numa permanente luta entre partidos que eram uma mesma coisa e que visavam unicamente a satisfação das ambições pessoais, sem resultados práticos que melhorassem a sociedade e muito menos a política.
“Considerando que as coisas aqui não iam bem, e vendo os exemplos de toda a Europa, onde não vão melhor, decidi fazer uma revolução completa em todos os procedimentos do governo daqui, uma revolução a partir de cima, fazendo um governo de liberdade e de honestidade, com ideias bem modernas, para que um dia não me façam uma revolução vinda de baixo, que seria certamente a ruína do meu país. (…) Até ao momento, tenho tido sucesso, e tudo vai bem, até melhor do que eu julgava possível. Mas para isso, preciso de estar constantemente na passerelle e não posso abandonar o comando um minuto que seja, porque conheço o meu mundo e se o espírito de sequência se perdesse por falta de direcção, tudo viria imediatamente para trás, e então seria pior do que ao princípio.”escreveu, em Carta datada de Fevereiro de 1907, El-Rei D. Carlos I ao seu amigo e companheiro das lides oceanográficas, o Príncipe Alberto I do Mónaco.
Dom Carlos sabia que a solução era um Poder Real forte, um Rei a governar segundo os princípios da Carta Constitucional, que sem abandonar o parlamentarismo, fosse o monarca o chefe-executivo nominal, embora obrigado pela Constituição a actuar no conselho do Gabinete. O monarca exerceria o poder executivo de forma significativa, embora não absoluta. A Monarquia sob esse sistema de governo seria uma poderosa instituição política e social. Por outro lado, nas Monarquias cerimoniais, o monarca tinha pouco poder real ou influência política directa o que dava grande margem de manobra aos políticos para tornarem a política a fonte de todos os males.
Aproveitando essa desorganização política do rotativismo, com consequências sociais evidentes, começaram a medrar as organizações secretas republicanas – como a Carbonária – e o Partido Republicano Português que aproveitava a liberdade de imprensa para acções de propaganda cada vez mais arrojadas – dizia Brito Camacho: ‘quanto mais liberdades nos derem, mais delas usaremos contra eles’.
João Franco anunciara no início de mandato o intento de governar à inglesa, ou seja, energicamente, mas com equidade, dentro do espírito das leis, com harmonia mas também com firmeza. Em 25 de Maio 1906, João Franco anuncia o seu programa de governo:  ‘tolerância e liberdade para o país compreender a monarquia’, tendo o Conselho de Estado amnistiado os crimes de imprensa. Aproveitando a onda de liberdade, a oposição desencadeia uma vaga de ataques a João Franco e ao Rei Dom Carlos – novamente, a falsa questão dos Adiantamentos. A questão dos adiantamentos, isto é, das supostas dívidas da Casa Real ao Estado, foi reavivada pelo próprio presidente do Ministério, que contrariando a intenção que antes manifestara de resolver o assunto no Parlamento, decide por Decreto de 30 de Agosto de 1907, tratar a questão sem ele.
Ora esta Questão era problema de longa data, porque nesta nossa boa Terra, dá-se grande atenção ao que não merece cuidado, ficando sempre o principal para segundo plano. Claro que não houve prodigalidade do Rei Dom Carlos I, que era Monarca bem frugal nos gastos, ou da Família Real que vivia modestamente, mas antes era um erro que vinha de longe, do tempo das Constituintes de 1821, que ao colocarem um terminus no Absolutismo, decretam a separação do Tesouro Público do Erário Régio, que até aí se confundiam.
Assim, para manutenção e subsistência da Família Real e despesas com a Chefia do Estado por parte do Rei criaram uma Dotação chamada de Lista Civil que haveria de se manter inalterada durante quase 90 anos, tornando definitiva uma situação que deveria ser temporária  – conforma haviam acautelado as próprias Cortes Constituintes -, pois o parco montante fora fixado de acordo com as especiais circunstâncias que o País vivia: depauperado pelas Invasões Francesas e pela Guerra Civil.
Depois, a Carta Constitucional de 1826 estabeleceu que as Cortes deviam fixar no início de cada reinado a Dotação do novo Monarca, atendendo aos factores que poderiam contribuir para o aumento do custo de vida, mas, a disposição, mais uma vez, foi ignorada!
O Estado nos reinados de Dom Pedro V e Dom Luís I empreendeu as obras públicas estruturantes que modernizaram o País e, necessariamente, tudo isso degeneraria em inflação e em desvalorização da moeda tornando, porque quase irrisória, insuficiente aDotação Real.
O pretexto de João Franco em trazer a Questão a jogo era válida para resolver a insuficiência da dotação real, e justa, em nome da transparência que anunciara no início do mandato de Presidente do Ministério, o problema é que escolheu mal o momento, pois os republicanos do PRP lançaram-se na propaganda demagógica contra o Rei e Brito Camacho profere a famosa frase que expõe, claramente, a agenda  republicana:  ’havemos de obrigá-los às transigências que rebaixam ou às violências que comprometem’.
Na sessão de 12 de Novembro de 1906, João Franco divulga no Parlamento os Adiantamentos feitos à Coroa. A oposição republicana que há muito aguardava o casus que lhe daria o motivo para atacar a Casa Real, clamou violentamente; Afonso Costa, surdo às admoestações do Presidente da Câmara Baixa, e já a merecer sabre da Polícia, como prenúncio do que estava a ser urdido, proferiu o ignóbil vitupério: ‘E mais ordena o Povo, solenemente, que logo que esteja tudo pago, diga o senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se Senhor, saia do País, para não ter de entrar numa prisão, em nome da lei. Por menos do que fez o Senhor D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XIV.’
Era o princípio do calvário que levaria ao trágico episódio do Regicídio no qual o Rei e o Príncipe Real tombariam, em serviço da Pátria e do Reino, às balas do terrorismo.
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica

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